terça-feira, 6 de setembro de 2011

De volta...


Na foto: o roteirista Peter Morgan, o ator Moritz Bleibtreu e o diretor Fernando Meirelles.



Um flashback: Desembarquei em São Paulo no primeiro domingo de junho e na segunda estava na ilha de montagem com o Daniel Rezende. Ele havia começado o trabalho cinco semanas antes, então, já havia uns 50 minutos de material pré-montado para ser assistido. Vi cenas, ou blocos de cenas, isoladas sabendo que essa ainda não era a hora de dar palpites, mas sim, dar espaço para o montador. 

Durante as três semanas seguintes, passei por lá todos os dias para falar sobre o que ele ainda estava fazendo ou o que iria começar no dia seguinte, sempre pegando leve, no espírito de deixá-lo fazer seu filme. Tanto como o roteirista, o montador tem um lado autoral e quando se tem um bom autor na sala de montagem é besteira não deixá-lo mostrar a sua versão do filme. A maneira como eu vejo cada cena eu já sei, nada mais sábio do que deixar o Daniel mostrar o que ele estava vendo antes de batermos o martelo no que fazer. Como não sei exatamente onde quero chegar, vou descobrindo no caminho, acabo sendo desapegado à maioria das minhas idéias. Isso funciona bem. Para diretores que já tem todo o filme na cabeça esta mesma regra, de deixar o montador solar, não vale. Claro!

Como tínhamos um roteiro muito amarrado, no qual não se pode derrubar cenas ou inverter a ordem de sequências e, como o filme foi rodado de maneira bastante organizada, o processo de montagem foi ligeiro. No final de junho, 6 ou 7 semanas após começar o trabalho, chegamos a um primeiro corte. Acreditando que poderíamos afinar a montagem em mais umas 3 semanas. Avisei os produtores que o filme ficaria pronto em agosto e não em outubro, conforme o combinado, e que então poderíamos esquecer Berlim, como havia sido dito, e pensar numa estratégia de lançamento ainda para 2011.

Assistir o filme inteiro pela primeira vez gera uma ansiedade angustiante pois, apesar de saber que havia boas cenas e ótimas atuações, às vezes isso colocado junto pode surpreender e resultar num filme fraco. Respirei fundo, apagamos a luz, e o Daniel deu o ‘play’. Esse primeiro corte estava com 2 horas e 15 minutos. Antes da luz da sala ser acesa, ao fim destas duas horas, uma outra luz acendeu, mas na minha cabeça: A luz de pânico, velha amiga. "Muita calma nesta hora" disse o Daniel, tranquilo por já ter visto muito diretor neste PPPP: Pânico-Pós-Primeira-Projeção. Ele encarou a questão de forma profissional e corriqueira. Sabe que a luz de pânico faz parte do processo. 

A primeira providência foi escrever para os mesmos produtores e avisá-los que eu estava puxando a tomada da parede: "Vamos parar tudo. Há muito trabalho a ser feito. Voltemos a pensar em Berlim" Nada mais foi dito. Eles me pediram, desesperados, para ver o corte, mas aí o Oceano Atlântico jogou a meu favor. Fizeram planos mas, no final, ninguém teve o impulso de pegar um vôo de 11 horas para assistir 2 horas de um filme em uma TV, ainda mais porque sabiam que eu ainda não estava feliz. 

Após mais duas semanas de trabalho havíamos feito bom progresso, o filme já tinha perdido uns 15 quilos (minutos) e com a gordura que se foi apareceu alguma musculatura. Limpar a gordura sempre é um bom truque pois, de fato, por baixo dela há músculo. O problema é que às vezes, misturada com esta gordura, está também o "coração" do filme e ao cortar muito o tempo de um olhar, um momento de silêncio, pode-se levar junto a alma do trabalho. Fazer esta separação do que é gordura e do que é coração é o truque. 

Após estes primeiros acertos, mesmo sabendo que faltava muito, mandamos uma cópia apenas para o Peter Morgan, roteirista. Assim que ele assistiu mandou os tradicionais elogios exagerados, típicos de quem fala inglês e junto veio o que chamou de "mil observações". Eram menos que isso mas haviam muitas. Daí em diante, o Peter foi incluído integralmente no processo. Nos 30 dias que se passaram entre o primeiro corte e o corte final trocamos uns 210 emails, fora ‘Skypes’ e muitos ‘Quick-times’ de cenas remontadas que iam para Viena quase todos os dias. O Peter é intenso, participou de tudo como se estivesse sentado ao nosso lado, mas por sorte é democrático também e quando via que uma impressão sua não seria usada, depois de um tempo, aceitava e mudava o foco. Essa foi a melhor colaboração que já tive com um roteirista no processo de montagem. Sua ajuda foi muito valiosa, nos aproximamos bastante e vai ser difícil não trabalharmos juntos novamente. Sei que a sensação dele é recíproca.

Mesmo sem uma versão acabada, como o trabalho avançava bem, resolvemos partir para um ‘sprint’ e finalizar o filme a tempo de pegarmos o Festival de Toronto, no início de setembro. Loucura na verdade, principalmente para o pessoal de som, em Viena. Mas ao saber que em Toronto haveria a chance de vender o filme para um distribuidor americano, que talvez o lançasse ainda em 2011, não pensei 3 segundos e pisamos no acelerador. 

Hoje é dia 6 de setembro e eu escrevo de Londres, vindo de Viena, onde terminamos a mixagem quatro dias antes da estréia no Canadá. Assisti a primeira cópia do filme com som ontem. Há 6 erros de imagem, mais uns problemas de som, mas não há mais tempo para acertar. Peço desculpas em Toronto e aviso que é uma cópia provisória. Desistir não é mais possível e nem desejável. Depois desta apresentação corrigiremos.

A minha prioridade agora é mesmo mostrá-lo o quanto antes para tentarmos vender para o mercado americano e convencer os possíveis compradores a lançarem em dezembro e com isso tirar da frente este filme. Não há nenhuma amargura nessa intenção. É questão prática. Me apavora a perspectiva de ter que ficar fazendo promoção de “360” até junho do ano que vem. A vida é para frente. Este está acabado. Que venha o próximo.

Acabei não falando da montagem mesmo, o que ia fazer neste texto. Falo na próxima.

Londres 6/09/2011

quinta-feira, 2 de junho de 2011

terça-feira, 17 de maio de 2011

Chroma


Vídeo enviado por Quico Meirelles, integrante do núcleo de fotografia do filme "360".

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Sol ou Neve?


Vídeo enviado por Quico Meirelles, integrante do núcleo de fotografia do filme "360".

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Texturas e bar


Vídeo enviado por Quico Meirelles, integrante do núcleo de fotografia do filme "360".

O Roteirista britânico, Peter Morgan, pode ser visto na cena com o texto na mão.

terça-feira, 3 de maio de 2011

O que cabe em 1,60m

Foto de Barrie McCulloch, assistente de direção de "360"

Desde que assisti o Jamel Debouze em Amelie Poulin  passei a prestar atenção no ator. Não por acaso, o último filme que assisti no Brasil antes de vir filmar 360 foi Fora da Lei, filme Francês/Argelino que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro este ano, no qual Jamel faz o protagonista.    

Há sete anos encontrei-o por acaso num bar em Paris e fomos apresentados. Em nossa rápida conversa, eu o informei: "Um dia vamos fazer alguma coisa juntos, anota aí". Ao ler no roteiro que havia um personagem chamado "Algerian Man", mesmo sem ter lido a história ainda, seu nome me veio a cabeça imediatamente. O problema é que o homem, uma mega celebridade na França, estaria no meio de uma turnê de um novo espetáculo, então achei que dificilmente toparia o convite. Para a minha surpresa, talvez por se tratar de um papel romântico e triste, o que para um comediante pode ser interessante, ele remanejou algumas apresentações e entrou na barca. Ao encontrá-lo em Paris, há duas semanas, ele me lembrou da promessa que eu havia feito depois de algumas taças de vinho. A vida dá voltas; 360 está aqui  para provar. 

Vou poupar os elogios a Jamel, para que este texto não pareça chapa branca, mas a energia que cabe em 1,60 m é inacreditável. Quem der uma olhada no vídeozinho postado aqui, onde estou mexendo numa grua e sendo avacalhado pela equipe, verá que no início, ao terminar de falar com Jamel, ele não volta andando para a sua posição, sai correndo. Não estávamos atrasados, é que o camarada é assim mesmo; uma usina atômica.

Jamel faz um dentista muçulmano obcecado por uma mulher infiel (que é como os muçulmanos chamam o resto da humanidade). Com quem ficar? Com Alá ou com a mulher?  Este é o conflito do seu personagem. O próprio Jamel me contou que deveria ter se casado com uma namorada portuguesa e católica, mas, por pressão das duas famílias, acabaram se separando. Por esta razão ele conhece na pele o drama do seu personagem e disse que para a geração de franceses de ascendência argelina ou marroquina, como ele, esta é sempre uma grande questão. Apesar de eu não acreditar em bruxas, gosto muito quando estas coincidências acontecem.

O desfecho da história do dentista se passa em seu consultório durante uma consulta.  Ao ver uma aliança na mão da sua amada, sua assistente, ele se distrai e sem querer machuca o paciente com uma agulha. Sente-se mal pela distração e percebe que é a hora de resolver a questão, e então, enquanto a anestesia faz efeito, chama a assistente num canto para uma conversa. A assistente, que é casada, está interessada no patrão e esperando que ele se declare (duplamente infiel, a moça). A cena deveria mostrar esta tensão e o conflito dos dois.  

Ensaiamos umas duas vezes e começamos a rodar. Num dos primeiros takes, Jamel, sem querer, deixou cair a bandeja de instrumentos e Dinara, a atriz que faz a assistente, tomou um susto. Ele pediu desculpas com a câmera rodando, não sei se para mim ou se para o paciente e continuou a cena. Gostei do acidente e do susto, então, resolvemos incorporá-los à cena. Rodamos mais uns dois takes, até a hora em que ela deveria abrir uma gaveta, mas a gaveta emperrou. Jamel, sem sair do personagem, foi até o armarinho para ajudá-la e sem querer se espremeram num canto da sala raspando o corpo um no outro. Ele usou o contato, sentiu o cheiro dela quando ela cruzou em sua frente, ficou desconcertado por alguns segundos e voltou ao seu texto. Foi muito bom, então, no take seguinte, incorporamos também o problema da gaveta e o esbarrão. Mais para frente, ao preparar a seringa, Dinara quebrou a tampinha que protege a agulha e se assustou. Mais um erro que entrou no repertório. Finalmente, num outro momento, a máscara que Jamel usava na hora de dar a anestesia saiu do seu nariz, então Dinara se debruçou sobre o paciente para recolocá-la; seus dedos tocaram de leve o rosto do "patrão”. Sorrisos, olhares e mais tensão. O gesto foi incorporado também, claro.   

Nos últimos takes que fizemos a cena toda passou a ser sobre a seqüência de erro dos dois; tudo foi sendo marcado e repetido como um pequeno balé. Estas besteirinhas levemente cômicas provocavam olhares entre eles como um diálogo sem palavras que o paciente, ali com a boca aberta, não estava percebendo. Tensão discreta e romântica. “Lovely”, disse Paula, continuista inglesa, ao meu lado. Uma cena inteiramente resolvida graças ao que poderia parecer problemas. 

Não vou contar como é o desfecho desta ceninha (14 pilas para quem quiser saber), mas a maneira como ela foi sendo encontrada me deixa cada vez mais interessado em ir para o set todas as manhãs, com um plano na cabeça, mas muito disposto a subvertê-lo. A Andrea, minha sócia, diz que sou especialista em dar tiro no próprio pé, mas já desisti de tentar criar o filme no papel, faz tempo. Assumi minha infidelidade, as minhas próprias idéias ou minha burrice para conseguir planejar tão detalhadamente. Simplesmente, não tenho controle sobre o mar da minha cabeça, então só me resta surfar na onda que aparecer na hora. Equipado com atores como o Jamel e Dinara, o risco de escorregar e tomar um caldo fica muito menor, claro, e dispensa parafina.

Viena 01/05/2011

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Notícias sobre "360" em sites austríacos

Na última semana, dois portais de notícias austríacos, Kurier e Krone, colocaram em destaque notícias, curiosidades e vídeos sobre 360 e seu elenco, mais especificamente,  o ator Jude Law, que se encontra em Viena, na companhia de Fernando Meirelles e todo o resto da equipe.

Abaixo, o link e um resumo em português sobre as duas matérias:


 
Resumo:
"Reigen" e Jude Law fazem etapa em Viena.
Filmagens na Áustria: Viena vira cenário para 360.
Hoje Viena, amanhã Paris, Londres, Rio... O diretor brasileiro Fernando Meirelles segue com todo circo para uma série de cidades onde encontram palcos e dinheiro de apoio financeiro.
Os países europeus têm se interessado em receber grandes produções de cinema internacionais, o que ajuda na divulgação do turismo local. A Áustria investiu 7,5 milhões de euros em 2011 nos incentivos culturais. Além de 360, o país presenciou as filmagens de James Bond, em 2008.
360 é uma adaptação internacional de Reign, peça de Arthur Schnitzler, escritor austríaco. A estréia da peça original foi em 1920, na cidade de Berlin. Foi tão falada e comentada, principalmente pelas cenas de sexo e amor que permeiam os dez episódios da história, que sofreu um processo e foi censurada até 1982. A peça já tem algumas adaptações para o cinema dos anos 50 e 60.
O roteiro de 360 é da estrela britânica Peter Morgan.






Resumo:
"Espero que tenha um pouco de tempo livre aqui."
Pobre Jude Law, não poderá sair em Viena.
Jude Law está em Viena, onde atua no papel principal de 360, produção internacional de cinema, versão da peça de teatro Reign, de A. Schnitzler.
Ele gostaria de ter tempo livre para sair e ver a cidade, mas espera ter os dias cheios da manhã até a noite.
Jude Law ainda não conhecia a peça de teatro, mas se interessou pelo projeto principalmente por ser dirigido por Fernando Meirelles, de quem confessa ser um fã. Ele conta um pouco sobre seu papel com Rachel Weiss e elogia muito o trabalho do roteirista Peter Morgan.
Em 2011, Jude Law será júri do festival de Cannes, onde verá seus trabalhos em 360, Sherlock Holmes e outros dois filmes.


quarta-feira, 27 de abril de 2011

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Dark Man



Quando o Adriano Goldman, fotógrafo e grande parceiro,  sugeriu rodarmos este filme no aspecto 2:35 e ainda por cima em 16mm,  achei que talvez ele estivesse indo longe demais. O risco desta combinação, 16mm +  2:35 (aquele quadro mais comprido), é que o resultado final tende a ficar mais granulado do que os filmes granulados que estamos acostumados a ver. Na verdade não é nem um risco, pois acontecerá inexoravelmente, mas mesmo sabendo disso resolvemos encarar.  O grão em 360 virou uma opção estética e não terá volta.  

A minha preocupação na verdade veio mais em função do mercado do que esta questão estética. Gosto de grãos, mas me ocorreu que poderia estar comprometendo a venda do filme com uma textura granulada. Ao conversar com o Andrew, nosso produtor, ele foi muito positivo a respeito e nos incentivou a ir em frente.   Embarcamos convencidos de que grandes atores em cidades como Paris ou Viena, filmados de uma maneira um pouco menos limpa, pode ter seu charme. Uma aposta. 

Como bem observou o Adriano, o que acontece é que há uma onda no mercado de filmes que parecem vídeo games ou desenhos animados de tão nítidos, principalmente os filmes de super-heróis e isso está virando um padrão (algum crítico espertinho diria que são "pornográficos", de tão explícitos). A idéia destes filmes parece ser colocar cada vez mais o espectador dentro do espetáculo, catarse em 3D.
Em 360 tomamos o caminho contrário; a idéia aqui talvez seja colocar o espectador dentro de sua própria cabeça e para fazer isso o grão pode ajudar, já que funciona como uma espécie de véu entre o objeto fotografado e quem está assistindo. Ao escondermos um pouco a imagem estaremos sugerindo mais do que explicitando, deixando um espaço para que o espectador complete em sua cabeça o que não vê na tela. Para um filme sobre emoções, sobre camadas da nossa psique, talvez seja interessante fazer isso. Coincidentemente, esta semana, uma amiga me mandou uma frase do Grande Sertão, Veredas, que me deu mais segurança sobre isso. Riobaldo diz: "Sou um homem ignorante. Gosto de ser. Não é só no escuro que a gente percebe a luzinha dividida? Eu quero ver essas águas a lume de lua..."
Só o que se esconde pode ser revelado. Assim é a poesia. Não?

Sei que isso pode parecer conversa mole para justificar o grão que veremos, mas não é.  Há semanas, Adriano e eu vínhamos tentando esconder um pouco o filme, ao optarmos por enquadramentos onde, às vezes, o que se passa na frente da câmera não está tão explícito. Temos usado o foco ou o desfoque de maneira menos usual; movimentos de câmera nem sempre sincronizados com o movimento dos atores, e ele tem eliminado cada vez mais os refletores do set, a ponto de Jamel Debouze, ator francês com quem acabamos de filmar em Paris, tê-lo apelidado de "Dark Man".
Todos os dias, surpreendido pela falta de equipamento e luz no set, Jamel vinha para o Adriano, na frente de todo mundo e, para a gargalhada geral, perguntava: "Você tem mesmo certeza que já fez isso antes?". Claro que ele tem. 360 não será um filme escuro e nem obscuro, mas não será todo ‘explicadinho’, também. Está saindo com uma simplicidade rigorosa, como é o fotógrafo que está inventando estas imagens. 

Mas meu grande aprendizado em termos de fotografia tem sido mesmo em relação ao tal aspecto 2:35. Passei anos aprendendo que com uma determinada lente, a certa distância, posso enquadrar meio corpo de um ator, por exemplo. Me acostumei com estas composições  em 1:85 e em geral sabia qual lente precisava usar para o que eu buscava. Em 2:35,  uma mesma lente que eu usaria para conseguir um meio corpo acaba enquadrando só o rosto e um pouco de ombro. Neste aspecto é muito difícil enquadrar uma pessoa em pé, pois sempre sobra um monte de área de imagem dos lados e nem sempre há o que colocar ali. Para arquitetura, então, o 2:35  é um inferno. Tentar enquadrar prédios ou paisagens verticais é impossível; isso te obriga a ir muito para trás, e aí seus atores já viraram umas formiguinhas. Por outro lado, o formato funciona muito bem para enquadrar duas pessoas falando em close ao mesmo tempo. Ali cabem duas cabeças e um espaço no meio tranquilamente, e assim pode-se evitar alguns cortes. Foi justamente por termos muitos diálogos neste filme que achei que valia a pena experimentar esta novidade proposta pelo Adriano, fora o prazer de ter que reaprender a enquadrar.

Das poucas coisas que já aprendi sobre mim mesmo, uma delas é a necessidade que tenho de não saber fazer alguma coisa para poder fazer direito. O conforto me deixa preguiçoso, me emburrece; aprendi isso. Melhor não estar muito no controle e andar um pouco em áreas escuras. Acho que, assim como o Riobaldo, eu também quero mais é ver essas águas a lume de lua.

24/04 - Viena



na foto: Adriano Goldman, diretor de fotografia, por Quico Meirelles

quarta-feira, 20 de abril de 2011

segunda-feira, 18 de abril de 2011

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Little Valente Maria

Quando um ator faz uma cena com outro ator, em inglês, diz-se que fulano is "playing against" sicrano. Na verdade, usamos a mesma expressão em português, mas ‘contracenar' não parece uma expressão tão competitiva. Há mesmo uma espécie de luta entre dois atores em cena, como se estivessem brigando para ver quem rouba a cena. Talvez não devessse ser assim, mas esta profissão tem mais relação com uma corrida de obstáculos, ou com uma luta livre, do que se imagina. Sempre pode haver um vencedor e um perdedor. Ser humano não tem jeito. É o que somos.

Visto por este ângulo, me impressionou a tranquilidade com que a Maria Flor embarcou neste seu primeiro projeto falado em inglês. Não estar trabalhando em sua mátria, como diria o poeta, é como entrar numa raia onde sua posição de largada está 10 metros atrás do outro ator "contra" quem se vai atuar. Quando este outro ator é um medalhista, então, a coisa fica mais difícil ainda. Mas a Flor foi valente e enfrentou 16 páginas com Antony Hopkins, ou com Ben Foster, bravamente e se saiu bem. Muito bem!

Não bastassem as dificuldades expostas acima, ainda houveram outros obstáculos para ela. Como já contei aqui, Ben Foster não quis conhecer a Maria Flor antes de rodar suas cenas com ela, pois seus personagens também não se conheciam. A primeira cena rodada juntos foi praticamente o primeiro encontro dos dois atores. Eles haviam dito boa-noite uma semana antes, e só. Para complicar ainda mais a vida da atriz, combinei que rodaria só a primeira parte desta primeira cena entre eles, mas na traição, pedi para o Ben entrar em quadro e continuasse a cena surpreendendo-a com o encontro inesperado, assim como acontece na história. Reconheço que a idéia de surpreendê-la foi meio tola, uma vez que ambos são bons atores e poderiam facilmente interpretar a surpresa, mas o fato é que funcionou. Rodamos outras tomadas depois desta experiência estabanada, mas acho que a eletricidade do encontro está mesmo naquele primeiro ‘take’. A montagem dirá.

Neste dia, a sequência toda da Flor com o Ben Foster foi meio rodada como um jogo. Na continuação desta mesma cena, também sem avisá-la, Ben levantou-se de sua cadeira e pediu que ela trocasse de lugar com ele. Ela não entendeu o que estava acontecendo, assim como a sua personagem não deveria entender este pedido estranho, que nem estava no roteiro, mas entrou no jogo, acatou a ordem e nunca perdeu o texto, nem saiu do personagem. Simplesmente saiu tocando a bola como um Neymar. Na terceira parte da cena foi a vez dela surpreendê-lo. Ela me pediu para não cortar a câmera onde estava previsto e deixá-la tocar o diálogo sem ele saber. Ben percebeu logo a jogada e embarcou sem vacilar. Ambos estavam tão dentro dos seus personagens que só mesmo o grito de corta, como uma estalada do dedo de um hipnotizador, conseguia tirá-los daquele mundo onde estavam. Me envolvi tanto com a tensão e as variações de climas que eles traziam em cada tomada, que quando vi já havíamos rodado quase 3 horas de material com as duas câmeras. Para uma cena de uns 3 ou 4 minutos isso é bem ridículo, reconheço.

Na semana seguinte foram as cenas da Flor com Anthony Hopkins. Aí não houveram surpresas, mas a dificuldade da Flor talvez tenha sido ainda maior pois Hopkins estava tão dentro do seu personagem que mesmo quando estava falando com ela parecia estar mais focado nos sentimentos do John, que interpretava, do que no que ela dizia. Entendi ali o que disse o Moritz sobre ter que atuar sozinho. Hopkins estava lá defendendo seu personagem, fazendo seu trabalho. Ela que trabalhasse para salvar o seu. Jogo para gigantes. Hoje, recebi um email dele que dizia: "I enjoyed playing with little Maria - she is so talented and beautiful".

Apesar de contracenar com dois atores brilhantes, talvez a melhor cena da Maria Flor, no filme, seja um momento em que ela, sozinha, chora dentro de um banheiro de avião. Rodamos apenas dois ‘takes’ e nem teria sido preciso o segundo, se não quiséssemos trocar de lente, pois no primeiro, parte da equipe já disfarçava as lágrimas ao vê-la. Quando um maquinista é visto discretamente enxugando os olhos, significa que alguma coisa aconteceu no set. No dia seguinte o Peter (roteirista), que recebe o material filmado por email todos os dias, mandou uma mensagem cumprimentando-a. Para mim acrescentou: 'Esta garota vai virar uma estrela internacional'. É bem possível. Hoje, a Flor está em Los Angeles se reunindo com diferentes produtores já interessados em conhecê-la para seus projetos.

É questão de tempo, acredito. Pouco tempo.

Ponto para "little Maria".

terça-feira, 12 de abril de 2011

Tony & Flor


Vídeo enviado por Quico Meirelles, integrante do núcleo de fotografia do filme "360".

segunda-feira, 11 de abril de 2011

One Take Tony

Maria Flor e Anthony Hopkins em filmagem de "360"

Anthony Hopkins havia acabado de chegar em Londres e me disseram que ele estava em seu trailer experimentando figurino. Então, saí do set para ir dar um ‘alô’ e fingir que entendo alguma coisa de roupas. Depois da prova, engatamos uma conversa até baterem na porta. Fui abrí-la e era o Jude Law, com quem filmaria a primeira cena daquele dia, que apareceu para dar um alô também. Jude viu o Anthony no fundo do trailer e entrou direto para abraçá-lo, passando por mim sem me enxergar. Trocaram algumas palavras e, só então, o Tony (como todos o chamam aqui) fez um gesto educado, movimentando-se para me colocar na roda. Foi só aí que o Jude, de fato, me viu e consertou a situação com um charme inglês bem humorado. Conto essa bobagem só para revelar o quão forte é a presença deste Tony. Na tela, assim como no trailer, os olhos dos espectadores tendem a ir direto para ele e tudo mais desaparece. Num intervalo de filmagem, cheguei a perguntar de onde viria este tipo de carisma? Sua teoria é que a atração que exerce vem de sua insegurança ou desconforto em estar diante da câmera. Há sempre alguma fragilidade nesta tensão, ele diz, e é daí que pode vir o interesse para quem o vê. Contou que Peter O'Toole, também um desajeitado segundo o próprio julgamento, defendia esta mesma tese a respeito dos benefícios do desconforto que sentia ao atuar.

Fico imaginando o quão difícil deve ser contracenar com alguém carismático assim. Em “360”, quase todas as cenas de Anthony Hopkins são com a Maria Flor, que tem, portanto, um difícil trabalho pela frente. Talvez, por saber disso, ela estava ansiosa para conhecê-lo. Dois dias antes de rodarmos, nos reunimos para falarmos sobre as cenas que faríamos juntos. Não seria um ensaio, (parece que os atores deste filme não são muito chegados a ensaios, eu que me adapte), mas apenas uma conversa, com uma rápida leitura das falas, feita numa mesa mesmo, só para checarmos se nós três estávamos fazendo o mesmo filme. 

Passamos ligeiros por todos os diálogos até chegarmos na última cena, a única que ele fará sem a Flor mas aparentemente, a que mais lhe interessa. É uma cena numa reunião do AA. Só ao falarmos sobre ela compreendi o enorme interesse de Hopkins em interpretar este papel. No primeiro dia que o encontrei ele já havia dito que em “360” não gostaria de interpretar ninguém. Queria ser ele mesmo. Seu personagem não representa grandes desafios para um ator com a sua experiência, e seu cachê em “360”, imagino eu, está abaixo dos seus parâmetros normais. Então foi justamente para poder contar um lado da sua própria história que ele entrou tão entusiasmado neste filme. 

Tony, assim como seu personagem, não bebe ha 35 anos, mas conhece bem este universo e pediu licença para acrescentar no seu texto uma história pessoal, e transformadora, que viveu ha décadas atrás. Criou a fala e repetiu, para mim e para a Flor, algumas vezes, de maneira diferente, até acharmos o lugar certo onde deveria entrar. O parágrafo criado, acabou sendo uma espécie de chave que faz muito sentido para quase todos os outros personagens deste filme (e custará 12 reais, em média, para quem quiser saber qual é). De qualquer maneira, ele contou aquela história com tamanha verdade, que ao sair da sala a Flor não segurou algumas lágrimas. Ao filmarmos a mesma cena na semana passada, ele se deixou levar, e com a câmera rodando, acrescentou ainda outras tantas histórias ligadas ao tema. Criou assim um problema para o Daniel, montador, que vai ter problemas para saber o que cortar. 

No final, a sorte será nossa, dos espectadores, que nos sentiremos tocados ao vê-lo na tela. Me coloco do lado dos espectadores aqui, pois nesta cena foi realmente o que fiz. Não fiz quase nada, além de dizer 'ação’ e ‘corta’, e assistir o que ele fazia. Meu único mérito foi perceber logo que o melhor que eu poderia fazer era tentar não atrapalhar. Neste dia, o Peter Morgan, roteirista, estava no set e o ajudou à achar as passagens do seu texto pessoal para o texto que estava escrito no roteiro, o que ele fez com arte. Ia do texto improvisado do Tony para o texto escrito do John como um ‘Chick Corea’ que volta ao tema depois de um solo.

E por falar no ‘Chick Corea’, num outro intervalo de filmagem, Hopkins me contou que é bom pianista e compositor, escreve para orquestra. Me mostrou algumas músicas que fez para um filme que dirigiu então, num impulso, sem consultar os produtores, convidei-o para compor a trilha para o seu personagem no filme. Para a minha surpresa ele aceitou imediatamente e já combinamos de como faremos todo o processo de mandar a montagem, receber provas, etc. No dia seguinte ao seu último dia de filmagem, ele pediu para arrumarem um estúdio aqui em Londres e gravou duas peças tocando violão para usarmos como referência na montagem.  

O rapaz está começando, temos que dar oportunidades para os novos talentos,
 justifiquei para o Andrew, nosso produtor.

(One Take Tony foi o apelido que ganhou por sempre acertar o tom do seu personagem na  primeira tomada)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Bota para Dentro

Conhecidos por sua culinária internacionalmente questionável, os ingleses honram sua tradição em 360.
 
Você confiaria num catering cujo o nome, numa tradução livre é : "Bota para dentro"?
 
 
imagem do set de filmagem do dia 5/04
Foto:  Quico.

terça-feira, 5 de abril de 2011

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Ben Foster

Havia encontrado o Ben Foster num jantar, há uma semana, mas era um lugar barulhento e uma mesa cheia de gente, então, não conseguimos conversar muito. Ontem, ele passou pelo set para dar um alô, mas nossa primeira reunião de trabalho foi nesta manhã de folga. Se a idéia de que 360 parece um filme-taxi fizer algum sentido Ben é o próximo passageiro nesta viagem.
Não conversamos diretamente sobre processo de trabalho, mas nem foi preciso para saber que ele faz parte do time de atores que trabalham de dentro para fora. Method Acting aparentemente, se é que exista uma definição clara para isso, mas é um processo oposto ao de Moritz Blertreu, que saltou deste taxi ontem à noite e voltou para Hamburgo.
Convidei o Ben Foster para fazer o Tyler depois de assisti-lo em "Alphadog", "3:10 to Yuma " e "O Mensageiro". É um ator baixo, magro, mas com uma presença magnética e um olhar intenso. Seu papel no filme é o de um "sex offender". Trocamos apenas alguns emails antes dele vir dos EUA; ao chegar em Londres apareceu com um corte de cabelo igual ao de um garoto que está preso por abuso sexual encontrado na internet em suas pesquisas. Ontem, no set, veio com o casaco que o personagem vai usar; ele não quer se sentir fantasiado, imagino; então o melhor é se acostumar com o casaco de couro vagabundo.

Ben tem ficado sozinho em Londres, focado no universo que vai viver. Pediu uma reunião com um terapeuta de agressores sexuais e já sabe muito a respeito deste mundo, pois também leu artigos e entrevistas com ex-presidiários. No filme não ha nenhuma referência ao passado de Tyler, mas ele criou um e me contou a história de como o seu personagem foi parar na prisão. Ótima história, aliás; dava um curta. Amanhã, ele vai se encontrar com a Marianne Jean Baptiste, atriz que fará a terapeuta com quem Tyler trabalha há sete anos, mas eles não vão ler o texto, a idéia é apenas ficar mais próximo dela para criar algumas pontes que possa ajudá-los no dia da filmagem. Nada de ensaios para eles. Marianne me escreveu dizendo que também prefere trabalhar de dentro para fora e está feliz com o encontro. Em relação à Maria Flor, com quem ele faz a maior parte de suas cenas, Ben preferiu só encontrar para valer no dia da filmagem, quando rodaremos o momento em que os dois personagens se vêem pela primeira vez. Maria Flor gostou da idéia e está feliz em entrar neste jogo. Não há como estes detalhes na preparação do personagem, que inclui ainda, escolha cuidadosa de figurino, tatuagens e até acento, não ajudá-lo em seu desempenho diante da câmera. Neste processo, Ben apareceu com algumas idéias tão preciosas que agora me sinto forçado a escrever algumas cenas para poder incorporá-las. Não sei se entrarão na montagem final, mas certamente ao rodá-las estarei mais dentro da cabeça deste garoto de Louisiana.

No meio da nossa conversa, muito abertamente, Ben falou sobre algumas passagens duras da sua vida, problemas na adolescência, padrões familiares, experiências difíceis. Só ao caminhar de volta para o meu apartamento , depois do encontro, me veio uma dúvida: Ao dizer que "com 15 anos ele fez isso ou aquilo", a quem estaria se referindo, estaria falando sobre o Ben Foster ou sobre o Tyler ? Se a idéia deste processo é tentar viver o personagem, definitivamente funcionou, pois nem sentado num bar de hotel, por alguns momentos, consegui saber quem estava na minha frente.

Tyler é um papel pequeno, como todos os outros neste filme, mas isso não impede um grande ator de defendê-lo como se defendesse a área numa final de Copa do Mundo. E ainda me pagam para fazer parte disso.
Que sorte poder viver deste trabalho, senhores.

Londres - 27/03

quarta-feira, 30 de março de 2011

Moritz Blerteu

Dirigir este filme não será muito diferente de dirigir um taxi,  já percebi.   A cada dia embarca  um novo passageiro com um  destino diferente. Segunda feira foi a vez do ator alemão Moritz Blerteu (Corra Lola Corra, Luna Park, Meu Melhor Amigo) entrar no barco. Fui encontrá-lo em seu hotel depois do nosso primeiro dia de filmagem. Conexão instantânea.  Em 10 segundos estávamos falando do seu personagem  e  sobre atuação.  Tenho enorme interesse em saber qual estrada cada ator pega para entregar sua encomenda, gosto do assunto não só para saber como tocá-los, mas também pelo prazer de observar  quão maleável e flexível pode ser a mente humana. Caminhos absolutamente opostos podem levar a um  mesmo lugar.
Apesar do seu conhecido passado selvagem,  Moritz é alemão então tem método, mas não o Method, este ele desconsidera.   Seu caminho é outro: Primeiro  procura ter cada palavra  dos seus diálogos completamente decorada a ponto de não precisar pensar nelas na hora em que a câmera estiver rodando. No set gasta um tempo prestando atenção e estudando cada movimento que fará garantindo ao montador a possibilidade de cortá-lo em  qualquer sílaba sem risco de ter um garfo ainda na boca ou uma virada de cabeça que não estará no take seguinte.  Como uma máquina bem regulada, com tudo que ele precisa dizer ou fazer  no piloto automático,  ele pode então esquecer  sua própria atuação e prestar atenção no que o  ator com quem está contracenando está dizendo e assim  viver  a experiência que está escrita no roteiro.  De fato nós não pensamos em nossas expressões entonação  ou sentimentos ao falar e interagir, é esse desprendimento que ele busca ao tentar automatizar e assim poder esquecer o que tem que fazer.
 Essa maneira de se construir um personagem, de fora para dentro, pode soar antiga.  Foi  justamente em contraposição a essa maneira de atuar que Stanislavsky  nos anos 30 desenvolveu seu sistema  que acabou sendo reestruturado por Lee Strasberg no Actors Studio onde ganhou o nome de Method Acting.   Dei muita risada ao ouvir o Moritz falar do Method que para ele é mais uma obsessão norte americana em dar nomes para as coisas e criar um marketing  ao redor, do que  algo que ajude os atores a interpretar de fato. "Para que eu preciso saber quem é a avó do personagem se ele está apenas num jantar de trabalho? "  Moritz trabalhou com bons atores que usam o Method e disse que nunca se sentiu tão sozinho em cena.  Esses atores, diz, passam tanto  tempo focados em buscar suas memórias afetivas, a inventar uma história pregressa para seus personagens,  a tentar se transformar  no personagem  que  simplesmente se fecham naquele mundo  e esquecem que ha outros atores em cena e uma história para ser contada. Na câmera, diz, a coisa funciona, mas para o ator que está ali contracenando é como se não houvesse ninguém do outro lado, é como contracenar com  um autista de onde não vem nada.  Ele mesmo passou um tempo em NY aprendendo trabalhar por este caminho mas não se adaptou e abandonou o curso. Fora o prazer de ouvir esta provocação,  sempre achei que o difícil numa atuação não é falar as suas linhas mas sim saber  escutar o outro, pegar o que veio e devolver com alguma coisa a mais e assim ir construindo a cena, levando-a para lugares onde só ali, com a câmera rodando,  é possível descobrir.  Para uma cena ficar boa ela  precisa que todos os envolvidos estejam atentos e sensíveis para deixar que ela cozinhe um pouco no calor daquele momento entre o ação e o corta.  É ali que brotam os sabores. Se eu fosse norte americano  eu criaria um método chamado  "Cooking Acting" e ficaria rico.
Na cena que rodamos ontem tentei mudar algumas falas do Moritz depois de 3 ou 4 takes filmados  mas elas simplesmente não sairam orgâncicas,  então, por sugestão do Jude Law que contracenava,  acabamos cortando-as e voltamos ao roteiro original.  Por não estar filmando em sua própria língua essas mudanças se tornam mais difíceis, imagino.  De qualquer maneira,  no final da cena, que é também o final do filme, Moritz entregou uma performance tão simples  mas  tão  extraordinária que minha insegurança em relação a aquele final se evaporou.   Em silêncio, apenas com os olhos,   o alemão colocou um ponto final em 360 como  se me entregasse um presente.  Esta eu vou ficar devendo.

Londres  - 26 / 03

segunda-feira, 28 de março de 2011

Primeiro dia de filmagem






Vídeo enviado por Quico Meirelles, integrante do núcleo de fotografia do filme "360".

Rachel e Juliano

Relendo meu texto anterior postado aqui percebi que deixei no ar uma esquisita sensação de arrependimento por ter me envolvido em 360. Ela de fato existiu mas escrevi aquilo ha um mês atras quando devia estar sentindo mais ou menos o que sente o mergulhador ao se ver diante do penhasco antes do mergulho. Aquela sensação de " será ?" Agora que o impulso foi dado o sentimento é de voar. Ontem foi o terceiro dia de filmagem e já não ha mais espaço para este tipo de frescura.

No nosso primeiro dia não rodamos nenhuma grande cena de fato, apenas gente indo e vindo. Um bom começo para conhecer a equipe.

No segundo dia entramos de cara numa cena intensa com o Juliano Cazarré e a Rachel Weisz espremidos em um minúsculo quarto de hotel cheio de espelhos para o nosso desespero e felicidade. Rose é uma mulher madura que não acredita que um cara tão mais jovem possa realmente ter interesse por ela, Rui é um fotógrafo brasileiro que também não acredita ser possível que uma mulher daquelas, além do mais culta, sofisticada e com todas as chaves das portas por onde ele quer entrar nas mãos, possa ter algum interessse real por ele. Por causa deste desencontro plantado em suas cabeças este casal que se ama está por um fio.

Sei o quão difícil deve ser para duas pessoas que se conheceram num rápido ensaio num domingo ter que fazer uma cena tão intensa e íntima na segunda-feira de manhã. Ambos chegaram muito tensos então nos demos um tempo para achar a música da cena , para deixa-la brotar. Com a câmera rodando um jogava uma linha ou experimentava um tom inesperado e o outro ia catando e costurando com aquilo. O que era bom ia sendo incorporado no take seguinte. Como já havia trabalhado com a Rachel sei que ela precisa ensaiar rodando, se não for assim ela economiza e não entrega a cena. É uma atriz que surfa no instante. O Juliano vem de uma experiência onde a improvisação também parece estar por trás do processo de criação da cena então ele estava confortável em não se prender ao texto mesmo sendo a primeira vez que trabalha em outra língua.
A cena tinha algo de meloframa, ia em apenas um tom de cabo a rabo. aos poucos começamos a achar as variações: Um desconforto, risadas, novo desconforto, sedução. No final entregaram momentos de pura eletricidade e delicadeza.

Adriano com a câmera na mão entrou no jogo e colocou o espectador na corda bamba daquele momento tão tênue, respirou com eles.

Saí com a boa sensação de estar fazendo cinema. Se vai prestar não sabemos, mas tinha vida ali e isso já é alguma coisa.
E quero mais.

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Londres - 23/03/2011

Por que "360"?

Londres, 23 de Fevereiro de 2011

Sou uma vítima da inércia.
Ao descer pelo elevador do hotel aqui em Londres, a caminho de algum restaurante chinês ou indiano (que sei que vou me arrepender de ter entrado ao sair), me pego com aquela conhecida sensação de ter dado um passo errado ao entrar neste filme. Sob o peso do grande esforço que é começar a colocar esta enorme máquina em movimento penso: Tudo estava tão bem em São Paulo, para que me coloco nestas situações?

Neste sábado terminou a primeira semana de pré-produção de "360" e, já deu para sentir que a bola de neve está crescendo e como sempre vai me atropelar.
Falta ainda muita coisa para ser produzida, e até mesmo para ser pensada, mas os dias insistem em passar. Na hora sei que contarei com o velho instinto para resolver o que não consegui planejar e, depois ainda tem a montagem, onde problemas de filmagem podem ser sanados, mesmo assim a ansiedade cresce e a pergunta não para de pipocar na minha cabeça: Para que me colocar nestas situações?

Numa entrevista, a primeira pergunta que fazem para um diretor é invariavelmente a mesma: "What first attracted you to the project?". Impulso, claro. Seria sempre esta a minha resposta se eu me permitisse ser honesto.
No caso de "360" a pressão que fez com que o impulso me levasse até este indiano, onde jantarei hoje, nasceu da frustração de ter trabalhado por oito meses no roteiro de uma biografia de Janis Joplin, para ver o projeto ser enterrado pelo roteirista que não gostou do trabalho que o diretor e roteirista Zé Belmonte e eu fizemos em sua história. Entre maio e junho de 2010, enquanto ainda trabalhava em Janis Joplin, eu havia lido alguns roteiros e entre eles “360”. O roteiro me interessou, não como diretor, pois eu já estava comprometido, mas sim como leitor. Era um roteiro muito bem escrito, bons diálogos, situações interessantes e humanas que não consegui parar de ler até o fim. Ao terminá-lo, escrevi para o produtor elogiando o trabalho mas, avisando que não poderia rodá-lo. Algumas semanas depois o David, produtor, surfando nas ondas de fofoca que banham Los Angeles, ouviu dizer que o projeto da Janis Joplin talvez não fosse mais acontecer e então me ligou. Num impulso respondi lacônico:

- Vamos conversar.
- Porque você não vem para Londres e bate um papo com o Peter Morgan, roteirista?
- Claro! Por que não?

Vim em final de agosto e o resto é história.

f

Mineápolis

24/02/2011

Primeiro dia de filmagem de "360"


A câmera rodou finalmente. Redonda como o nome do filme.
Para chegarmos ao aeroporto de Mineápolis, onde as primeiras imagens foram feitas, tivemos que dirigir 8 horas desde Chicago, pois o aeroporto de Mineápolis estava fechado pela neve. "Tivemos" é força de expressão, estou sem minha carteira aqui, então, o Adriano enfrentou a pista com muita neve, à noite, e com um jet lag de 7 horas.

Parece azar, mas foi sorte.  Pensamos que filmaríamos o aeroporto meio limpo e que teríamos que colocar a neve depois, na pós, mas a natureza roubou do Tamis este job. Nevou para esquimó nenhum botar defeito.  Mineápolis foi onde os irmãos Cohen filmaram Fargo, um lugar miserável para se morar, onde há neve seis meses por ano, mas, na semana anterior havia esquentado muito e derretido tudo, então, viajamos com medo. Comemoramos o "perfect timing".

Na verdade estes dois dias de filmagem foram apenas um aquecimento (se é que isso é possível a menos 9º de temperatura); tivemos que vir antes para garantir a paisagem branca. O filme começa a ser rodado, mesmo, dia 21 de março, em Londres.

A preparação tem sido intensa. Nos últimos 12 dias dormimos em oito lugares diferentes; Londres, Viena, Praga, Paris, Eau Claire, Mineápolis, Chicago e Londres, novamente. Como disse o Adriano, este não é um projeto para ficarmos amigos do travesseiro, como devassos; experimentamos uma cama diferente a cada noite. Nem sempre o sono encontra a mesma porta nos corredores dos hotéis onde estamos , o que não nos ajuda muito.

Na próxima semana, começam as visitas técnicas. Preciso urgentemente inventar uma desculpa para não poder estar presente. Meu tempo é mais bem gasto se puder ficar lendo e relendo o roteiro, assistindo filmes para ver o que posso copiar ou mesmo voltar às locações, mas sem 15 pessoas ao redor, para poder deixar a cabeça viajar sem pressão.
Antes as idéias aproveitavam qualquer brecha para entrar, hoje, prefiro ajudá-las, criando um certo espaço mental para elas aparecerem.

Foi fria esta semana, mas o filme está esquentando.

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