terça-feira, 6 de setembro de 2011

De volta...


Na foto: o roteirista Peter Morgan, o ator Moritz Bleibtreu e o diretor Fernando Meirelles.



Um flashback: Desembarquei em São Paulo no primeiro domingo de junho e na segunda estava na ilha de montagem com o Daniel Rezende. Ele havia começado o trabalho cinco semanas antes, então, já havia uns 50 minutos de material pré-montado para ser assistido. Vi cenas, ou blocos de cenas, isoladas sabendo que essa ainda não era a hora de dar palpites, mas sim, dar espaço para o montador. 

Durante as três semanas seguintes, passei por lá todos os dias para falar sobre o que ele ainda estava fazendo ou o que iria começar no dia seguinte, sempre pegando leve, no espírito de deixá-lo fazer seu filme. Tanto como o roteirista, o montador tem um lado autoral e quando se tem um bom autor na sala de montagem é besteira não deixá-lo mostrar a sua versão do filme. A maneira como eu vejo cada cena eu já sei, nada mais sábio do que deixar o Daniel mostrar o que ele estava vendo antes de batermos o martelo no que fazer. Como não sei exatamente onde quero chegar, vou descobrindo no caminho, acabo sendo desapegado à maioria das minhas idéias. Isso funciona bem. Para diretores que já tem todo o filme na cabeça esta mesma regra, de deixar o montador solar, não vale. Claro!

Como tínhamos um roteiro muito amarrado, no qual não se pode derrubar cenas ou inverter a ordem de sequências e, como o filme foi rodado de maneira bastante organizada, o processo de montagem foi ligeiro. No final de junho, 6 ou 7 semanas após começar o trabalho, chegamos a um primeiro corte. Acreditando que poderíamos afinar a montagem em mais umas 3 semanas. Avisei os produtores que o filme ficaria pronto em agosto e não em outubro, conforme o combinado, e que então poderíamos esquecer Berlim, como havia sido dito, e pensar numa estratégia de lançamento ainda para 2011.

Assistir o filme inteiro pela primeira vez gera uma ansiedade angustiante pois, apesar de saber que havia boas cenas e ótimas atuações, às vezes isso colocado junto pode surpreender e resultar num filme fraco. Respirei fundo, apagamos a luz, e o Daniel deu o ‘play’. Esse primeiro corte estava com 2 horas e 15 minutos. Antes da luz da sala ser acesa, ao fim destas duas horas, uma outra luz acendeu, mas na minha cabeça: A luz de pânico, velha amiga. "Muita calma nesta hora" disse o Daniel, tranquilo por já ter visto muito diretor neste PPPP: Pânico-Pós-Primeira-Projeção. Ele encarou a questão de forma profissional e corriqueira. Sabe que a luz de pânico faz parte do processo. 

A primeira providência foi escrever para os mesmos produtores e avisá-los que eu estava puxando a tomada da parede: "Vamos parar tudo. Há muito trabalho a ser feito. Voltemos a pensar em Berlim" Nada mais foi dito. Eles me pediram, desesperados, para ver o corte, mas aí o Oceano Atlântico jogou a meu favor. Fizeram planos mas, no final, ninguém teve o impulso de pegar um vôo de 11 horas para assistir 2 horas de um filme em uma TV, ainda mais porque sabiam que eu ainda não estava feliz. 

Após mais duas semanas de trabalho havíamos feito bom progresso, o filme já tinha perdido uns 15 quilos (minutos) e com a gordura que se foi apareceu alguma musculatura. Limpar a gordura sempre é um bom truque pois, de fato, por baixo dela há músculo. O problema é que às vezes, misturada com esta gordura, está também o "coração" do filme e ao cortar muito o tempo de um olhar, um momento de silêncio, pode-se levar junto a alma do trabalho. Fazer esta separação do que é gordura e do que é coração é o truque. 

Após estes primeiros acertos, mesmo sabendo que faltava muito, mandamos uma cópia apenas para o Peter Morgan, roteirista. Assim que ele assistiu mandou os tradicionais elogios exagerados, típicos de quem fala inglês e junto veio o que chamou de "mil observações". Eram menos que isso mas haviam muitas. Daí em diante, o Peter foi incluído integralmente no processo. Nos 30 dias que se passaram entre o primeiro corte e o corte final trocamos uns 210 emails, fora ‘Skypes’ e muitos ‘Quick-times’ de cenas remontadas que iam para Viena quase todos os dias. O Peter é intenso, participou de tudo como se estivesse sentado ao nosso lado, mas por sorte é democrático também e quando via que uma impressão sua não seria usada, depois de um tempo, aceitava e mudava o foco. Essa foi a melhor colaboração que já tive com um roteirista no processo de montagem. Sua ajuda foi muito valiosa, nos aproximamos bastante e vai ser difícil não trabalharmos juntos novamente. Sei que a sensação dele é recíproca.

Mesmo sem uma versão acabada, como o trabalho avançava bem, resolvemos partir para um ‘sprint’ e finalizar o filme a tempo de pegarmos o Festival de Toronto, no início de setembro. Loucura na verdade, principalmente para o pessoal de som, em Viena. Mas ao saber que em Toronto haveria a chance de vender o filme para um distribuidor americano, que talvez o lançasse ainda em 2011, não pensei 3 segundos e pisamos no acelerador. 

Hoje é dia 6 de setembro e eu escrevo de Londres, vindo de Viena, onde terminamos a mixagem quatro dias antes da estréia no Canadá. Assisti a primeira cópia do filme com som ontem. Há 6 erros de imagem, mais uns problemas de som, mas não há mais tempo para acertar. Peço desculpas em Toronto e aviso que é uma cópia provisória. Desistir não é mais possível e nem desejável. Depois desta apresentação corrigiremos.

A minha prioridade agora é mesmo mostrá-lo o quanto antes para tentarmos vender para o mercado americano e convencer os possíveis compradores a lançarem em dezembro e com isso tirar da frente este filme. Não há nenhuma amargura nessa intenção. É questão prática. Me apavora a perspectiva de ter que ficar fazendo promoção de “360” até junho do ano que vem. A vida é para frente. Este está acabado. Que venha o próximo.

Acabei não falando da montagem mesmo, o que ia fazer neste texto. Falo na próxima.

Londres 6/09/2011

17 comentários:

  1. Ual! Estou muito ansioso por 360. O Lançamento nesse ano também pode caracterizar uma busca pelas premiações que estão por vir, finalizando no Oscar...

    Meirelles, só posso esperar coisa boa de ti! Que venha 360 e outros!!!!

    Desde já, parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Saudades do blog ativo! Muito bom o texto e ansioso pra ler sobre o processo de montagem!
    Abração!

    ResponderExcluir
  3. Estarei na América do Norte mas mais embaixo, em Washington, com um curta meu. Pena que não dá para ir no TIFF. Ansioso pelo filme!

    ResponderExcluir
  4. Mais uma vez o Fernando vem com esta história de cortar gordura e deixar musculatura, e se esquece que a gordura é que dar o sabor da picanha. Será que o Fernando é vegetariano?

    ResponderExcluir
  5. Nossa, Fernando. Muito obrigado por desvelar esse processo em um blog. Como fã dessa arte, já me sinto como se estivesse nos bastidores torcendo pra tudo dar certo.

    Conta mais aí, blz?

    Abraço.

    ResponderExcluir
  6. Continuo confiante que vai ser um filmaço em todos os sentidos. Emocionante ficar lendo seu relato, passo a passo dos cortes. Parabéns pela coragem de mostrar a cópia provisória para pular etapas na divulgação. Cadê o poster, please?

    ResponderExcluir
  7. Flashback Thanks for share... Uma aula de cinema.

    ResponderExcluir
  8. "Após mais duas semanas de trabalho havíamos feito bom progresso, o filme já tinha perdido uns 15 quilos (minutos) e com a gordura que se foi apareceu alguma musculatura. Limpar a gordura sempre é um bom truque pois, de fato, por baixo dela há músculo. O problema é que às vezes, misturada com esta gordura, está também o "coração" do filme e ao cortar muito o tempo de um olhar, um momento de silêncio, pode-se levar junto a alma do trabalho. Fazer esta separação do que é gordura e do que é coração é o truque" (Genial)

    ResponderExcluir
  9. Nossa, Meirelles, suas considerações sempre ilustram sua profunda sabedoria e sensibilidade ao potencial de cada significado do filme, eu amo esses seus posts. Sou fotógrafo (www.ericohiller.com.br), seu fã e sempre fico babando na pertinência e genialidade de seus trabalhos. Pôxa, não vejo vejo a hora de dar um PLAY no trailer de 360. Pra quando? Abração, Érico.

    ResponderExcluir
  10. Caro Érico Hiller,

    Tenho que dizer: fantásticas as suas fotografias!
    Fiquei vidrado no faroeste russo do meio do Brasil.

    Abraço,

    XTest

    ResponderExcluir
  11. será que voce sabe quando o filme virá à berlin??
    quero ver minha amiga maria flor na telona!

    ResponderExcluir
  12. Saudades do blog ativo, postem mais por favor...

    ResponderExcluir
  13. Nice!! Queria ver o teaser-trailer que saiu, achei que iam postar aqui pra galera comentar!!!!!

    ResponderExcluir
  14. Se você soubesse como você me inspira... um dia você ainda me dirige...

    ResponderExcluir
  15. esse texto vou guardar para sempre. montador sendo tratado como autor por um diretor só este sendo também ele um deles.

    ResponderExcluir
  16. Ow Fernando, na boa, traz o elenco do 360 pro Brasil quando a película for estrear por aqui.
    To afim de averiguar de perto o shape dessa Gabriela Marcinkova.

    ResponderExcluir
  17. Gostaria de saber a trilha sonora do filme, pois vi o filme e adorei o filme e as músicas.

    ResponderExcluir