segunda-feira, 25 de abril de 2011

Dark Man



Quando o Adriano Goldman, fotógrafo e grande parceiro,  sugeriu rodarmos este filme no aspecto 2:35 e ainda por cima em 16mm,  achei que talvez ele estivesse indo longe demais. O risco desta combinação, 16mm +  2:35 (aquele quadro mais comprido), é que o resultado final tende a ficar mais granulado do que os filmes granulados que estamos acostumados a ver. Na verdade não é nem um risco, pois acontecerá inexoravelmente, mas mesmo sabendo disso resolvemos encarar.  O grão em 360 virou uma opção estética e não terá volta.  

A minha preocupação na verdade veio mais em função do mercado do que esta questão estética. Gosto de grãos, mas me ocorreu que poderia estar comprometendo a venda do filme com uma textura granulada. Ao conversar com o Andrew, nosso produtor, ele foi muito positivo a respeito e nos incentivou a ir em frente.   Embarcamos convencidos de que grandes atores em cidades como Paris ou Viena, filmados de uma maneira um pouco menos limpa, pode ter seu charme. Uma aposta. 

Como bem observou o Adriano, o que acontece é que há uma onda no mercado de filmes que parecem vídeo games ou desenhos animados de tão nítidos, principalmente os filmes de super-heróis e isso está virando um padrão (algum crítico espertinho diria que são "pornográficos", de tão explícitos). A idéia destes filmes parece ser colocar cada vez mais o espectador dentro do espetáculo, catarse em 3D.
Em 360 tomamos o caminho contrário; a idéia aqui talvez seja colocar o espectador dentro de sua própria cabeça e para fazer isso o grão pode ajudar, já que funciona como uma espécie de véu entre o objeto fotografado e quem está assistindo. Ao escondermos um pouco a imagem estaremos sugerindo mais do que explicitando, deixando um espaço para que o espectador complete em sua cabeça o que não vê na tela. Para um filme sobre emoções, sobre camadas da nossa psique, talvez seja interessante fazer isso. Coincidentemente, esta semana, uma amiga me mandou uma frase do Grande Sertão, Veredas, que me deu mais segurança sobre isso. Riobaldo diz: "Sou um homem ignorante. Gosto de ser. Não é só no escuro que a gente percebe a luzinha dividida? Eu quero ver essas águas a lume de lua..."
Só o que se esconde pode ser revelado. Assim é a poesia. Não?

Sei que isso pode parecer conversa mole para justificar o grão que veremos, mas não é.  Há semanas, Adriano e eu vínhamos tentando esconder um pouco o filme, ao optarmos por enquadramentos onde, às vezes, o que se passa na frente da câmera não está tão explícito. Temos usado o foco ou o desfoque de maneira menos usual; movimentos de câmera nem sempre sincronizados com o movimento dos atores, e ele tem eliminado cada vez mais os refletores do set, a ponto de Jamel Debouze, ator francês com quem acabamos de filmar em Paris, tê-lo apelidado de "Dark Man".
Todos os dias, surpreendido pela falta de equipamento e luz no set, Jamel vinha para o Adriano, na frente de todo mundo e, para a gargalhada geral, perguntava: "Você tem mesmo certeza que já fez isso antes?". Claro que ele tem. 360 não será um filme escuro e nem obscuro, mas não será todo ‘explicadinho’, também. Está saindo com uma simplicidade rigorosa, como é o fotógrafo que está inventando estas imagens. 

Mas meu grande aprendizado em termos de fotografia tem sido mesmo em relação ao tal aspecto 2:35. Passei anos aprendendo que com uma determinada lente, a certa distância, posso enquadrar meio corpo de um ator, por exemplo. Me acostumei com estas composições  em 1:85 e em geral sabia qual lente precisava usar para o que eu buscava. Em 2:35,  uma mesma lente que eu usaria para conseguir um meio corpo acaba enquadrando só o rosto e um pouco de ombro. Neste aspecto é muito difícil enquadrar uma pessoa em pé, pois sempre sobra um monte de área de imagem dos lados e nem sempre há o que colocar ali. Para arquitetura, então, o 2:35  é um inferno. Tentar enquadrar prédios ou paisagens verticais é impossível; isso te obriga a ir muito para trás, e aí seus atores já viraram umas formiguinhas. Por outro lado, o formato funciona muito bem para enquadrar duas pessoas falando em close ao mesmo tempo. Ali cabem duas cabeças e um espaço no meio tranquilamente, e assim pode-se evitar alguns cortes. Foi justamente por termos muitos diálogos neste filme que achei que valia a pena experimentar esta novidade proposta pelo Adriano, fora o prazer de ter que reaprender a enquadrar.

Das poucas coisas que já aprendi sobre mim mesmo, uma delas é a necessidade que tenho de não saber fazer alguma coisa para poder fazer direito. O conforto me deixa preguiçoso, me emburrece; aprendi isso. Melhor não estar muito no controle e andar um pouco em áreas escuras. Acho que, assim como o Riobaldo, eu também quero mais é ver essas águas a lume de lua.

24/04 - Viena



na foto: Adriano Goldman, diretor de fotografia, por Quico Meirelles

8 comentários:

  1. Uai. Combinação 16mm+2.35:1 é o que o Darren Aronofsky usou em seus dois últimos filmes: The Wrestler e Black Swan. Aposto que muita gente nem notou a diferença.

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  2. "Ali cabem duas cabeças e um espaço no meio tranquilamente, e assim pode-se evitar alguns cortes", bacana

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  3. Meirelles, Parabéns pela sua sensível simplicidade ao redigir seus textos no Blog!

    Um dia, durante um intervalo descontraido no set, irei lembra-lo desse post :)

    Abs,
    Rod Carvalho

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  4. Gostei dessa ideia do fotógrafo. Gosto de coisas ousadas, principalmente no quesito estético visual de um filme. E tô enjoado desse padrão de filme de super-herói, tudo nítido e ponto. --`

    Ponto para a fotografia!!

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  5. Riobaldo rules! Adorei, definiu um sentimento que a muito tempo eu tentava mas não conseguia!

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  6. A granulação hoje em dia parece quase um pecado, algo que eu discordo.
    Que bom saber que 360 terá "texturas", o que já é uma ousadia interessante.
    Boa sorte e um abraço,
    Rossa

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. caraca... com alguns minutos de leitura aprendi alguns quilômetros de cinema e fotografia!!!

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