quarta-feira, 30 de março de 2011

Moritz Blerteu

Dirigir este filme não será muito diferente de dirigir um taxi,  já percebi.   A cada dia embarca  um novo passageiro com um  destino diferente. Segunda feira foi a vez do ator alemão Moritz Blerteu (Corra Lola Corra, Luna Park, Meu Melhor Amigo) entrar no barco. Fui encontrá-lo em seu hotel depois do nosso primeiro dia de filmagem. Conexão instantânea.  Em 10 segundos estávamos falando do seu personagem  e  sobre atuação.  Tenho enorme interesse em saber qual estrada cada ator pega para entregar sua encomenda, gosto do assunto não só para saber como tocá-los, mas também pelo prazer de observar  quão maleável e flexível pode ser a mente humana. Caminhos absolutamente opostos podem levar a um  mesmo lugar.
Apesar do seu conhecido passado selvagem,  Moritz é alemão então tem método, mas não o Method, este ele desconsidera.   Seu caminho é outro: Primeiro  procura ter cada palavra  dos seus diálogos completamente decorada a ponto de não precisar pensar nelas na hora em que a câmera estiver rodando. No set gasta um tempo prestando atenção e estudando cada movimento que fará garantindo ao montador a possibilidade de cortá-lo em  qualquer sílaba sem risco de ter um garfo ainda na boca ou uma virada de cabeça que não estará no take seguinte.  Como uma máquina bem regulada, com tudo que ele precisa dizer ou fazer  no piloto automático,  ele pode então esquecer  sua própria atuação e prestar atenção no que o  ator com quem está contracenando está dizendo e assim  viver  a experiência que está escrita no roteiro.  De fato nós não pensamos em nossas expressões entonação  ou sentimentos ao falar e interagir, é esse desprendimento que ele busca ao tentar automatizar e assim poder esquecer o que tem que fazer.
 Essa maneira de se construir um personagem, de fora para dentro, pode soar antiga.  Foi  justamente em contraposição a essa maneira de atuar que Stanislavsky  nos anos 30 desenvolveu seu sistema  que acabou sendo reestruturado por Lee Strasberg no Actors Studio onde ganhou o nome de Method Acting.   Dei muita risada ao ouvir o Moritz falar do Method que para ele é mais uma obsessão norte americana em dar nomes para as coisas e criar um marketing  ao redor, do que  algo que ajude os atores a interpretar de fato. "Para que eu preciso saber quem é a avó do personagem se ele está apenas num jantar de trabalho? "  Moritz trabalhou com bons atores que usam o Method e disse que nunca se sentiu tão sozinho em cena.  Esses atores, diz, passam tanto  tempo focados em buscar suas memórias afetivas, a inventar uma história pregressa para seus personagens,  a tentar se transformar  no personagem  que  simplesmente se fecham naquele mundo  e esquecem que ha outros atores em cena e uma história para ser contada. Na câmera, diz, a coisa funciona, mas para o ator que está ali contracenando é como se não houvesse ninguém do outro lado, é como contracenar com  um autista de onde não vem nada.  Ele mesmo passou um tempo em NY aprendendo trabalhar por este caminho mas não se adaptou e abandonou o curso. Fora o prazer de ouvir esta provocação,  sempre achei que o difícil numa atuação não é falar as suas linhas mas sim saber  escutar o outro, pegar o que veio e devolver com alguma coisa a mais e assim ir construindo a cena, levando-a para lugares onde só ali, com a câmera rodando,  é possível descobrir.  Para uma cena ficar boa ela  precisa que todos os envolvidos estejam atentos e sensíveis para deixar que ela cozinhe um pouco no calor daquele momento entre o ação e o corta.  É ali que brotam os sabores. Se eu fosse norte americano  eu criaria um método chamado  "Cooking Acting" e ficaria rico.
Na cena que rodamos ontem tentei mudar algumas falas do Moritz depois de 3 ou 4 takes filmados  mas elas simplesmente não sairam orgâncicas,  então, por sugestão do Jude Law que contracenava,  acabamos cortando-as e voltamos ao roteiro original.  Por não estar filmando em sua própria língua essas mudanças se tornam mais difíceis, imagino.  De qualquer maneira,  no final da cena, que é também o final do filme, Moritz entregou uma performance tão simples  mas  tão  extraordinária que minha insegurança em relação a aquele final se evaporou.   Em silêncio, apenas com os olhos,   o alemão colocou um ponto final em 360 como  se me entregasse um presente.  Esta eu vou ficar devendo.

Londres  - 26 / 03

4 comentários:

  1. Uau, um final apenas com expressão. Assim que é bom. o/

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  2. Lendo isso, algo me diz que o Fernando iria gostar de conhecer o trabalho de um cara chamado Sanford Meisner, que dizia que ‘’o que você (ator) faz não depende de você, mas depende do outro (do que o outro te dá)'

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  3. só uma dica: o nome dele é Moritz Bleibtreu ;)

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